quarta-feira, 31 de agosto de 2016

O menino do dedo verde


"Tistu pôs chapéu de palha para ir à aula de jardim.
Era a primeira experiência do novo sistema. O Sr. Papai havia
julgado melhor começar por aí. Uma lição de jardim, afinal de
contas, é uma lição de terra, essa terra em que caminhamos, que
produz os legumes que comemos e o capim com que os animais
se alimentam, até ficarem bastante gordos para serem comidos...
A terra, tinha declarado o Sr. Papai, está na origem de tudo."

***

"Um prodígio é um prodígio. Primeiro, a gente o constata.
Depois, procura explicá-lo. Tistu perguntou:
— Mas, se não se havia posto semente, Sr. Bigode, de onde é
que saíram estas flores?
— Mistério, mistério... — respondeu Bigode.
Em seguida, tomou bruscamente nas suas mãos calejadas a
mãozinha de Tistu.
— Deixe ver o polegar!
Examinou atentamente o dedo do menino, em cima e
embaixo, na sombra e na luz.
— Meu filho — disse enfim, após madura reflexão — ocorre
com você uma coisa extraordinária, surpreendente! Você tem
polegar verde..."

***

 "Tistu não pareceu muito entusiasmado com a descoberta.
— Já vão dizer de novo que eu não sou como todo mundo — resmungou.
— O melhor — replicou-lhe Bigode — é não falar nada com ninguém.
Que adianta despertar curiosidade ou inveja?
Os talentos ocultos, em geral, trazem aborrecimentos. Você tem o
polegar verde, está acabado. Mas guarde para você, e fique em
segredo entre nós.
E no caderninho de notas, entregue pelo Sr. Papai e que Tistu
devia fazer assinar no fim de cada aula, o jardineiro Bigode
escreveu apenas:

'Este menino revela boas disposições para a jardinagem.'"

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Porcelain

"Drifting and floating and fading away"

***

"Little lune all day
Little lune"

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"Porcelain, do you carry the moon in your womb"

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Porcelain - Red Hot Chilli Peppers
Álbum: Californication (1999)

terça-feira, 9 de agosto de 2016

'Empleiteiros'

Heart of the country - 07 
 
 Certa vez, em um lugar muito distante daqui e muito próximo de lá, houve essa dupla de ‘empleiteiros’ trapalhões. Era o Du e o Dino. O Du era um diminutivo de Edullerdo e o Dino, de Dinossaurion. Sozinhos, cada um na sua, eles eram inofensivos, mas quando se uniam - putz! - aí eles sabiam fazer estrago. Saiam ‘empleitando’ tudo de qualquer jeito, sem cuidado ou consideração. Em cima da ‘empleiteira’ deles, o céu era sempre azedo e sinistro. E a chuva, era como aquela descrita pelo Campos de Carvalho: imóvel.

Até um jesus-menino que ousasse passar de bicicleta em frente à ‘empleiteira’ deles corria o risco de ficar imobilizado para sempre, tamanho era o peso do ar nos arredores. Mas eles eram apenas ‘empleiteiros’, e o ‘empleiteiro’, vocês sabem, fica até o serviço (ou estrago) estar feito e um belo dia vai embora. Sim, que belo dia esse! Nesse dia o jesus-menino completa aquela pedalada adormecida e o sol e aqueles ventos uivantes de alegria sopram as nuvens escuras pra longe, longe. Pra outra infeliz freguesia distante. 


Pelo menos é o que se espera.
 
***

Bem, esta é a parte fictícia da história. Nada disso aconteceu de fato. É tudo invenção do ficcionista. Mas eis a parte real da história: poucos meses (três ou quatro ou cinco) após esta foto, a ‘empleiteira’ do Du e do Dino foi demolida. Pois é, o avanço da civilização e da humanidade tem dessas coisas. Era pouco conteúdo pra muito espaço e neste lote foi construído algo maior. Não se sabe (e nem ao menos se pretende saber) o que o Du e o Dino andam fazendo hoje além de trapalhadas. Talvez tenham se reunido com o Didi e o Dedé, pra tentar fazer um novo filme (de baixíssimo orçamento, claro) dos trapalhões. Se bem que isso seria uma afronta à memória dos dois melhores deles, o Mussum e o Zaca. Talvez tenham inventado uma máquina de descascar bananas, eu não sei, e nem nos interessa.

Mas o jesus-menino, esse da foto, ah, ele pedala solto, solto sob um dos céus mais azuis e quentes que há. Carinhoso de tão azul. Refrescante de tão quente. Com nuvens fofas que só existem pra descansar os olhos de tanta cor e pra dar aquele tipo de charme discreto dispensável mas impossível de se abrir mão.

E é como meu avô sempre dizia:
“ - Se os ‘empleiteiros’ pedalassem mais eles seriam ‘empleiteiros’ melhores.”
 
(Mentira, meu avô nunca disse isso, mas se eu tivesse perguntado, tenho certeza de que ele teria dito. E tenho certeza também de que, se não o meu, o avô de outra pessoa já disse.)

Então, é isso mesmo, vô querido de alguém, concordo.
Quem sabe dessa forma a coroa da bicicleta - rigorosa, metálica, exata, afiada, imperativa - não mastigava e cuspia aquele uniforme ridículo e então eles se davam conta do absurdo do absurdo do absurdo do absurdo do absurdo do absurdo do absurdo desta ‘empleita’?

Até lá, pedala, jesus-menino, pedala bastante e olhai por nós.

***

Esta é uma história fictícia, de baixo orçamento e sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com a realidade terá sido absoluta e total coincidência. Minhas sinceras desculpas ao Du e ao Dino reais, os que de fato acreditaram naquela humilde, simples e bela 'empleita' no coração duro de um país qualquer. Esses merecem nossa admiração e confesso que senti muito quando soube da demolição.

Fica a imagem pra tombar essa história e, tomara, a que ainda será contada.