domingo, 29 de março de 2020

El Cóndor e Rae


Para quando pudermos.

Música: El Cóndor Pasa
Simon and Garfunkel version
Álbum: Bridge over Troubled Water (1970)

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Como um cisne, um condor, um pardal ou como uma garça-branca.
Não importa.
"...that's here and gone..."

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"Um voo de um pássaro no céu, um instante depois que ele passou, não tem rastro nenhum. Nós deixamos rastro demais e toda cultura que deixa rastros é insustentável."

(Ailton Krenak, em entrevista ao Jornal Correio)

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Sobre o longe:

"Podem os quilômetros separar-nos realmente dos amigos?
Se quer estar com Rae, já não está lá?"

[...]

“Presentes de lata de vidro amassam e quebram num dia, somem para sempre.
Mas eu tenho um presente melhor para você. É um anel para você usar. Cintila com uma luz especial e não pode ser tirado por ninguém, não pode ser destruído. Somente você, no mundo inteiro, pode ver o anel que lhe dou hoje, como fui o único que pude vê-lo quando era meu. O anel lhe dá um novo poder. Usando-o, você pode alçar vôo nas asas de todos os pássaros que voam. Pode ver através dos olhos dourados deles, pode tocar o vento que passa por suas penas macias, pode conhecer a alegria de se elevar muito acima do mundo e suas preocupações. Pode permanecer no céu por tanto tempo quanto quiser, através da noite, pelo nascer do sol; e quando sentir vontade de outra vez descer, suas perguntas terão respostas, suas preocupações terão acabado. Como tudo o que não pode ser tocado com a mão nem visto com o olho, seu presente se torna mais forte à medida que o usa. Mais tarde, porém, se usá-lo bem, vai funcionar com pássaros que não pode ver, até que finalmente acabará descobrindo que não precisa de anel nem de pássaro para voar sozinho acima da quietude das nuvens. E quando esse dia chegar, deve dar seu presente a alguém que saiba que irá usá-lo bem, alguém que possa aprender que as únicas coisas que importam são as feitas de verdade e alegria, não as de lata e vidro.”

[...]

"Não posso ir ao seu encontro porque já estou com você."

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"Longe é um lugar que não existe"
- Richard Bach -

quinta-feira, 26 de março de 2020

O conhecimento do “inimigo”


E são vários.
A começar, infelizmente, por alguns "amigos".

O que não tem refúgio, refugiado está.

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 "É preciso, primeiro, combater o medo da morte. Para tanto, dois requisitos essenciais, a recusa da passividade e o conhecimento do “inimigo”. Quanto mais activos, mais aptos, mais fortes para afastar o medo. Se bem que o medo acorde a lucidez, e neste sentido possa ser benéfico, sabemos que ele encolhe o espaço, suspende o tempo, paralisa o corpo, limitando o universo a uma bolha minúscula que nos aprisiona e nos confunde. Comunicar com os outros e com a comunidade é furar a bolha, alargar os limites do espaço e do tempo, tomar consciência de que o nosso mundo se estende muito para além dos quartos a que estamos confinados. Foi certamente o que sentiram e fizeram os napolitanos que se puseram a cantar à noite, de varanda para varanda, exorcizando o medo e criando um novo espaço público comum.

Trata-se de combater este medo da morte. Que não é o medo, digamos, habitual, de morrer, mas uma espécie de terror miudinho, subterrâneo e permanente, que toma conta da vida. Não na apreensão do mal final, mas como se a morte, enquanto avesso da vida, enquanto letargia absoluta, rigidez definitiva, paralisia e abismo, viesse ocupar o terreno do nosso tempo quotidiano. É contra a tendência a sermos capturados por um tal sentimento de medo que é preciso lutar – precisamente, mantendo-nos activos e preocupados com os outros e a vida social de que fazemos parte."

(trecho do ensaio "O medo", de José Gil)

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Com um agradecimento especial à indicação do amigo (sem aspas).

domingo, 22 de março de 2020

domingo, 15 de março de 2020

O Tradutor Cleptomaníaco (4/4) - O inesperado, o capricho




“...o diretor do Observatório de Greenwich...”
[...] 
“Procurou dar às suas palavras uma certa dignidade serena, revestindo-as com um verniz científico, mas a cada uma se notava que ele, que tem o endereço de toda estrela ordeira do firmamento que está habilitada a ter uma moradia, e a ficha de trajetória de todos os cometas vadios, de vida pregressa, inúmeras vezes flagrados, nem suspeita quem seja este aventureiro azul e ardente, este monstro celeste, que visita a Terra sem ter feito nenhum anúncio preliminar e que ameaça a todos nós com o fim.”

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Sem refúgios. Cidade.

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 “Até agora, na terra, toda a desordem se originou do ato de varrer. Entendam a verdadeira maldição deste mundo é a organização, a verdadeira felicidade é a desorganização, o inesperado, o capricho.”

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“A literatura também morre pela organização, a camaradagem, o corporativismo, a crítica caseira, que escreve “algumas linhas amáveis” sobre o burro chefe.”

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“O fato de o mundo ser dirigido com pouca sabedoria não constitui um problema. O problema é que seja dirigido.”

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“Sabia que todas as coisas são desesperançadamente relativas, e que não existe nenhum instrumento para medi-las com precisão.”

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"O Tradutor Cleptomaníaco e Outras Histórias de Kornél Esti"
- Dezsö Kosztolányi -

quinta-feira, 5 de março de 2020

O Tradutor Cleptomaníaco (3/4) - Daqueles dois grupos




“Daqueles dois grupos que caracterizam toda a humanidade. Os paranoicos são ousados, insolentes, fanfarrões, desconfiados e suspeitos, insatisfeitos e prontos para a ação, como os políticos que querem trazer a felicidade para o mundo.  [...] Não se suportam, e sua alma se rompe para o mundo, querem quebra-la em duas. Os esquizofrênicos são estranhos, originais, surpreendentes, se autoacusam, imprevisíveis, impenetráveis, como os verdadeiros escritores. Sua fala é repleta de insinuações incompreensíveis. Estes últimos me são mais simpáticos. Aqui também me misturei a eles.”

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“...ajustava o seu sono às condições topográficas dos diversos gêneros.”

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“Suas pálpebras imediatamente se grudaram sob a ação do mel morno do sono doce.”

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“...o sono é a verdadeira concordância.”

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“Não odiava as pessoas. Apenas as olhava com uma certa triste renúncia, e sentia a falta de sentido da vida e a relatividade de todas as coisas.”

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"O Tradutor Cleptomaníaco e Outras Histórias de Kornél Esti"
- Dezsö Kosztolányi -

quarta-feira, 4 de março de 2020

O Tradutor Cleptomaníaco (2/4) - Estão, mas já não são



el desaparecido

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“Por enquanto tinha que situá-lo na minha imaginação. Isso não era fácil. Só então notei que curiosa relação temos com os desaparecidos. São criaturas de mau agouro, que vivem uma vida dupla, vivos e mortos ao mesmo tempo, homens e assombrações, cidadãos deste e doutro mundo, e não se sabe a qual pertencem. Ainda estão, mas já não são.”

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Música: Desaparecido
Compositor: Manu Chao
Álbum: Clandestino (1998)

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"Me llaman el desaparecido
Que cuando llega ya se ha ido
Volando vengo, volando voy
Deprisa deprisa a rumbo perdido

Cuando me buscan nunca estoy
Cuando me encuentran yo no soy
El que está enfrente porque ya
Me fui corriendo más allá

Me dicen el desaparecido
Fantasma que nunca está
Me dicen el desagradecido
Pero esa no es la verdad

Yo llevo en el cuerpo un dolor
Que no me deja respirar
Llevo en el cuerpo una condena
Que siempre me echa a caminar

[...]

Yo llevo en el cuerpo un motor
Que nunca deja de rolar
Yo llevo en el alma un camino
Destinado a nunca llegar

[...]

(¿Cuándo llegaré?)
(¿Cuándo llegaré?)
(¿Cuándo llegaré?)
(¿Cuándo llegaré?)"

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"O Tradutor Cleptomaníaco e Outras Histórias de Kornél Esti"
- Dezsö Kosztolányi -

segunda-feira, 2 de março de 2020

O Tradutor Cleptomaníaco (1/4) - Apenas um linguista



“De modo que não apresento a verdade mentirosa, mas crio uma verdadeira mentira.”

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“Mas eu era apenas um linguista.”

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“...colheita de burrice beatificante...”

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“...salvava a humanidade com pretensões progressistas...”

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“...conseguia unir com sucesso a falta de talento à demência.”

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“Aurora de dedos rosados, de unhas sujas.”

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"Tentamos salvá-lo de novo. Vocês, que escrevem, sabem que tudo é decidido pelas palavras: tanto o valor de um poema como o destino de um homem. Tentamos provar que ele era um cleptomaníaco e não um ladrão. Aquele que conhecemos geralmente é cleptomaníaco. Aquele que não conhecemos geralmente é ladrão. O tribunal não o conhecia; assim foi qualificado - ladrão, e condenado a dois anos de prisão."


“Sim meus amigos. Tudo tem limite. O que é demais, é demais.”

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"O Tradutor Cleptomaníaco e Outras Histórias de Kornél Esti"
- Dezsö Kosztolányi -