quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Putrefação: viramos rapidamente menos

Do manual prático de sub-subsistência:
"Como virar rapidamente menos do que já é."


"nos últimos tempos
ando pensando
que este país
retrocedeu
4 ou 5 décadas
e que todos os
avanços sociais
os bons sentimentos de 
pessoa para com
pessoa
foram totalmente
varridos
e trocados pelas mesmas
intolerâncias
de sempre.

temos
mais do que nunca
o egoísta desejo pelo poder
o desrespeito pelos
fracos
pelos velhos
pelos empobrecidos
pelos
desamparados.

estamos trocando necessidade por
guerra
salvação por
escravidão.

desperdiçamos os
ganhos
viramos
rapidamente
menos.

temos a nossa Bomba
é o nosso medo
nossa danação
e nossa
vergonha.

agora
algo tão triste
nos domina
que
a respiração
escapa
e não conseguimos nem mesmo
chorar."

[Putrefação - Charles Bukowski]

***

Mas isso passa.
Para os que sobrevivem, passa.
Momentos de trevas são comuns e cíclicos na história do mundo.
O problema são as sequelas.
Para os que sobrevivem, as sequelas.
Essas não passam não.

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Little man, you've had a busy day

I still do.

Eric Clapton - Little man, you've had a busy day
Álbum: I Still Do (2016)

***

E a versão do Chet, suave, suave:

Chet Baker - Little Man You've Had a Busy Day

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Alcance mental: trevas e barbárie


...trapped now, raped later...

Mas nem vai adiantar reclamar, neném, porque o consentimento descaracteriza o estupro.

***

"Um dos defeitos da moderna educação superior é que ela se transformou num puro treinamento para adquirir certas habilidades e cada vez se preocupa menos em ampliar a mente e o coração por meio do exame imparcial do mundo.

Vamos imaginar que estejamos empenhados em uma campanha política e que trabalhamos com todas as nossas forças pela vitória de nosso partido. Até aí, tudo bem. Mas, ao longo da campanha, pode perfeitamente acontecer que se apresente alguma oportunidade de vitória que implique o uso de métodos calculados para fomentar o ódio, a violência e a desconfiança. Por exemplo, podemos ter a ideia de que a melhor tática para ganhar uma disputa seja insultando uma nação estrangeira. Se nosso alcance mental só abrange o presente, ou se assimilamos a doutrina de que importa apenas o que chamamos de eficiência, adotaremos esses métodos tão equívocos. Pode ser que graças a eles consigamos atingir nossos propósitos imediatos, mas a longo prazo as consequências mostram-se desastrosas.

Em contrapartida, se nossa bagagem mental inclui as épocas passadas da humanidade, sua lenta e parcial saída do estado de barbárie e a brevidade de toda a sua história em comparação com os períodos astronômicos, se essas ideias modelaram nossos sentimentos habituais, nos daremos conta de que a batalha momentânea em que estamos empenhados não pode ser tão importante a ponto de nos arriscarmos a darmos um passo atrás, retrocedendo às trevas de onde tão lentamente saímos."

Bertrand Russel - A conquista da felicidade (1930)

***

1930?
Pois é.

Retrocedendo às trevas de onde jamais chegamos a sair.
Mas pra esse alcance mental de 2018 (quase cem anos depois) o Russel é nada.
Talvez, quando a besta quadrada que apresenta o telejornal ou a anta de gravatinha que faz gracinhas no talkshow ou aquele seu "filósofo" oportunista preferido falarem, aí quem sabe vocês acreditem. E se não quiserem acreditar, podem continuar escrevendo suas próprias notícias mesmo, porque já estão fera nisso.

***

Nirvana
In Utero
Rape me
1991

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

No horizonte de eventos: o fim do próprio tempo


Acho que talvez não houvesse momento mais buraco-negrístico do que esse pra retomar esse assunto. O cenário está calibrado a infinitos graus negativos na escala ‘sinistro-tenebroso’. Bom, pra mim pelo menos, é ali que o ponteiro tá estacado. Mas, como tenho visto muita gente feliz/ingênua, satisfeita/ignorante e ansiosa/estúpida com as perspectivas que começam a se concretizar no horizonte de eventos, vou só sussurrar baixinho pra mim mesmo aqui, da solidão e do escuro desse meu buraco. No entanto, correndo o risco de ter alguma dor de cabeça, ainda quero tentar falar um pouco mais sobre isso em telegramas futuros, vâmo vê...

Por hora, a ideia é falar mais uma vez e rapidinho do Stephen, o rei, mas não o rei dos mistérios da ficção - que é um outro King - mas sim, o rei dos mistérios do planeta (aê, baianos!).
Isso aí mesmo: o HawKing.


KING!

Mas vou fazer muito melhor do que burramente falar sobre os assuntos dele, como da última vez. Vou deixá-lo falar por si mesmo:

“Dizem às vezes que a realidade é mais estranha que a ficção. Em nenhum lugar isso é mais verdadeiro que no caso dos buracos negros. Os buracos negros são mais estranhos que qualquer coisa já sonhada por escritores de ficção científica, mas são fatos do mundo da ciência.”

Loucura, né?! Acho que já li algo parecido em algum lugar, não estou bem certo. Mas é mais assustador quando tem ciência envolvida. Lembra? “Jamais proclamar o nome da ciência em vão”, pois é... Aqui a parada é séria, meu parceiro, é quando uma estrelinha se contrai de cólicas intestinais fortíssimas até se transformar em um único ponto de densidade infinita, a singularidade, que “assinala o fim do próprio tempo.”

“...densidade infinita; singularidade...”: veja, aí já é poesia.

Mas, continuamos com esse sagaz monarca lá das bandas do Reino Unido:

“De fora não dá pra dizer o que há dentro de um buraco negro. Você pode jogar aparelhos de TV, anéis de diamante ou até seus piores inimigos dentro de um, mas o buraco negro só vai lembrar sua massa total, seu estado de rotação e sua carga elétrica.”

Viu que sinistro, fera?! Você pode até jogar todos os minions do universo (criaturas detestáveis!) em sacrifício ali dentro. O buraco negro não sabe nada de história, nem tem visão perspectiva, não tá nem aí pra fatos ou consequências, ele engole sem dó.
E é insaciável, o danado...

Trilha-sonora-abre-parêntese:
A minha banda-cientista favorita canta o seguinte a respeito:

“We'd been filling it with garbage as long as you could count
Kitchen scraps and dead cows, tractors broken down
But never did I hear one thing hit the ground
And slowly I came to fear that this was a bottomless hole.”
(The Handsome Family - The Bottomles Hole)

Fecha-trilha-sonora-parêntese e voltando ao HawKing:

“O buraco negro tem uma fronteira chamada horizonte de eventos. Nesse lugar a gravidade é forte o bastante apenas para puxar a luz de volta e impedir que escape. Como nada pode viajar mais rápido que a luz, tudo o mais também é puxado. Cair no horizonte de eventos é um pouco como descer as cataratas do Niágara numa canoa.”

“Se você cai em um deles primeiro com os pés, a gravidade os puxa com mais força que sua cabeça, porque eles estão mais próximos do buraco negro. Como resultado, você é esticado longitudinalmente e esmagado lateralmente. Se a massa do buraco negro for algumas vezes maior que a do nosso sol, você será dilacerado e transformado em espaguete antes mesmo de chegar ao horizonte.”

“No espaço, ninguém pode ouvir você gritar; e, em um buraco negro, ninguém pode ver você desaparecer.”

“Ele [o buraco] não pode emitir nada, não pode emitir calor.”

Pois é, triste o cenário do buraco negro, né?! Triste e assustador e outros adjetivos dramáticos mais que, por hora, prefiro não gastar.

Infelizmente, o horizonte de eventos próximo indica que sejamos todos sugados pra dentro desse buraco sinistro. E o que é pior, por vontade própria e rindo pras estrelas.
Insano!
A mediocridade é insana!

Mas, como todo bom monarca, nosso Stephen não só nos traz o problema, mas nos dá uma ponta de esperança, que, quem sabe, seja nosso único alento por um bom tempo:

“...um buraco negro não precisa ser uma via de mão única para um beco sem saída.”

“Minha mensagem aqui, então, é que os buracos negros não são tão negros quanto se diz. Não são as prisões que um dia se conjecturou. As coisas podem sair de um buraco negro, tanto neste universo quanto possivelmente em outro.
Assim, se você sente que está em um buraco negro, não desista: existe uma saída!”

Melhor e mais inteligente do que precisar buscar uma saída, seria, quem sabe, tentar evitar o mal, mas, se não tem jeito, fica o don’t give up patrocinado pelo Ficcionista de sempre:

“And still I am there falling down in this evil pit
But until I hit the bottom, I won't believe it's bottomless”
(The Handsome Family - The Bottomles Hole)

Boa sorte pra nós!

***
Música: The Bottomless Hole
Banda: The Handsome Family
Álbum: Singing Bones (2003)

***

"...down in this evil pit..."

***

Originalmente, era um post sobre a história desse casal da música.
Eles acordam um belo dia e percebem que há esse buraco sem fundo entre eles, lá atrás do celeiro. E não há nada que tampe o maldito. Ela dá corda pra ele se "enforcar", e ele vai embora levando só um canivete sem corte e uma banheira enferrujada. A música tava gravada há mais de um ano, esperando a leitura do livro do Stephen, o fechamento do raciocínio.
No fim, saiu tudo diferente...
É que no horizonte de eventos do buraco, tudo fica imprevisível, cheio de incertezas.
Mas aí já é com o Heisenberg, fica pra outro dia.


***


(Stephen Hawking - Buracos Negros)