sábado, 25 de janeiro de 2020

Sim, Mary, eles atiraram as pedras mais afiadas


A ideia original sempre foi fazer uma reconstituição ilustrada desta aventura fatídica, tão fictícia quanto verídica.

Mas acontece que essa preguiça somada a essa predileção pelo álcool, como de costume, contribuíram demais para o fracasso desse tão auspicioso plano.

Então, o jeito foi recorrer ao banco de imagens mesmo, esperando humildemente nunca ser processado pela NGS*.

Bom, tudo aconteceu mais ou menos assim:

Música: After We Shot The Grizzly
Banda: The Handsome Family
Álbum: Last Days of Wonder (2006)

***

"After we shot the grizzly...


...after the airship crashed...


...after we lost the compass...


...after the radio went dead...


...we shot and ate the horses...


...we marched through deadly swamps...


...inside a limestone cave...


...I found a human skull...

...yes, Mary,
I found a human skull...


...the captain caught a fever...


...we tied him to a tree...


...we stared into the fire
and tried not to hear his screams...


...I killed a tiny antelope
not scared by my approach
we turned it over dying flames
as we huddled in the glow...

...yes, Mary,
we huddled in the glow...


...we built a raft from skin and bones
only five could safely float...


...the others stood upon the shore
they screamed and threw sharp stones...

...yes, Mary,
they threw the sharpest stones...


...but how the sea did spin us...


...how the waves


did roar...


 ...the captain jumped into the storm...


...then we were but four...


 ...one by one, we chose our straws
'til only I remained
but Mary, you are with me now
all around me in the waves...

...yes, Mary
you are in the waves...

***

Grandes Imagens
- National Geographic -

*National Geographic Society

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Aviso:
Nenhum animal ou meio de transporte foi ferido durante a reconstituição desta história.
Os homens que participaram da expedição,
esses, infelizmente, sim.

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Créditos das fotos utilizadas nesta narrativa in order of appearance:

1) Joel Sartore | 2009 | Alasca
Urso polar no crepúsculo ártico

2) B. Anthony Stewart | Déc. 1950 | Nova York
O Mayflower II na entrada do porto de Nova York

3) Jean Gaberell | 1920 | Suíça
Acima das nuvens

4) Hohn E. Fletcher e Donald McBain | 1954 | Indiana
Controle de qualidade por meio de televisão na siderúrgica U.S. Steel

5) Maynard Owen Williams | 1931 | China
À margem do Lago Bulun Kul

6) Frank Kingdon Ward | 1950 | Índia
Viagem de expedição à moda antiga

7) Carsten Peter | 2008 | México
Caverna dos cristais, em Chihuahua

8) Westinghouse Electric Corp | 1947 | Nova Jersey
Radiografia de homem usando um barbeador elétrico 

9) Expedição Ártica Peary | 1909 | Canadá
Retrato de um explorador: Robert E. Peary

10) Autor desconhecido | Início Déc. 1900 | Itália
Travessia temerária nas Dolomitas

11) Otis Imboden | 1969 | Flórida
Viagem à Lua: o Apollo 11 na platafroma de lançamento

12) Joel Sartore | 1995 | Nebrasca
Maquete com carneiros é espanada em loja de artigos esportivos

13) Bourne & Shepherd | 1877 | Índia
Palácio no lago Udaipur

14) Robert Haas | 2007 | Brasil
Cemitério à beira do Rio Negro

15) Expedição Ártica Peary | 1905-6 | Oceano Ártico
Imobilizado pelo gelo na aurora

16) Alan Villiers | 1933 | Em alto-mar
Recolhendo os estais 

17) Dick Wolf | 1941 | África do Sul
Leão africano

18) Borge Ousland | 2009 | Oceano Ártico
Sobre o gelo fino

19) Luis Marden | 1951 | Maine
Pesca de sardinha ao amanhecer

20) William T. Douthitt | 1985 | Maryland
Coleta de amostras no Rio Susquehanna em busca de sinais de contaminação radioativa por usinas nucleares

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Muito amor por esse livro...

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E por essa banda.

domingo, 19 de janeiro de 2020

Enquanto salta e saltita


...a estranheza é um traço dos milagres...

Steinberg.
Saul.

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“Às vezes, acho que entendi tudo, e poucos minutos depois me surpreendo ao me dar conta de que não entendi nada, não me lembro mais do que tinha afinal entendido. Compreendemos por meio de uma emoção. Fiquei felicíssimo quando, pela primeira vez, entendi que entendia. Difícil explicar melhor: entender que entendera, entender que a coisa é possível, entender que, mesmo estando perdida por hora, não está perdida para sempre.

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Uma pequena homenagem a esse grandioso, sensível e querido desenhista.

"...cortar, cortar, cortar."

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“Nada do que é depositado na memória se perde, ela é um computador que continua acumulando dados para a vida inteira, dados que nem sempre se utiliza, porque o homem muitas vezes parece um transatlântico que navega com apenas uma cabine ocupada. Deveríamos conseguir usar continuamente esse imenso acúmulo de dados, mantê-los em exercício, combiná-los entre si, multiplica-los, reintroduzi-los no curso de nossos pensamentos.”

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“Não quis, assim como não quero rever a Romênia: são lugares que não pertencem à geografia, mas ao tempo. E a recordação desses lugares de tristeza, de sofrimento, mas sobretudo de grandes emoções, se dissipa quando os revemos. É melhor deixar certas coisas em paz, tal como estão na memória: com o passar do tempo, tornam-se a mitologia da nossa vida. Não quis nem mesmo rever certas pessoas com quem tive alguma amizade em determinado lugar, em determinada época: colegas de escola, de infância. Não se pode retornar um diálogo que nunca foi um verdadeiro diálogo, mas antes uma cumplicidade temporária, a cumplicidade que se estabelece entre gente que ocupa a mesma cabine de um trem. É certo que se tivesse que voltar a morar na rua Palas, em Bucareste, onde passei a infância e a mocidade, eu o faria; mas passar por lá às pressas me pareceria uma falta de respeito inadmissível.”

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“E assim tenho medo de que o desenho revele certas partes de mim mesmo, certas zonas de vulgaridade em que não digo a verdade, lanço mão do que já sei, dos lugares-comuns, e vejo em mim mesmo, isto é, no desenho que estou fazendo, alguns dos meus defeitos constantes: terminar sem terminar, cansar e renunciar a insistir num ponto que seria essencial, por timidez ou por preguiça, deixa de insistir, e assim as coisas não terminam como deveriam, a promessa é mais abundante que o resultado. Há por vezes alguma coisa de sedutor no que faço, mas que seria bom de verdade se eu continuasse seriamente até o fim, se mantivesse a promessa.”

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“Na faculdade de arquitetura, alguém (já não recordo quem) me deu esse conselho útil: “Quando a borracha cair no chão, não se precipite a pegá-la de volta; siga-a com os olhos enquanto salta e saltita, até parar, e só então vá pegá-la”. E, analogamente: “Na hora de fechar os tubos de tinta, depois de ter usado vários às pressas, não se deve nunca andar com o tubo à procura da tampa; primeiro pegue a tampa e depois vá em busca do tubo. É bem mais fácil.

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“Aprendi muitas coisas com Sig Lomaky, um marceneiro finlandês, habilidosíssimo. Fabricou para mim, para o estúdio, pranchetas de desenho, painéis, escadas. Era um grande prazer vê-lo trabalhar. Consertava peças de madeira quebradas: “mesas” que eu tinha fabricado por conta própria e que ficavam bambas porque estavam mal coladas, de um lado só. Remediava meus erros com truques engenhosos, e as “mesas” consertadas eram mais bonitas atrás, com os reforços e as correções que ele introduzira, do que na frente.

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"Reflexos e sombras"
- Saul Steinberg -
(com a colaboração de Aldo Buzzi)

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Cinema Salva! (01) - Nos submundos do Subway: It's only mystery!



"To be is to do."
Sócrates

"To do is to be."
Sartre

"Do be do be do."
Sinatra

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- Por que amo você?

- Porque sou uma mulher incrível.


- Por que não me ama?


- Porque não tenho coragem.


- É preguiçosa?


- Terrivelmente.


- Quem faz a comida na sua casa?


- A cozinheira.


- E a faxina?


- A faxineira.


- E o amor?

...

***

E o amor, Isabelle?

Subway
Luc Besson -  França (1985)

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Magnifique!


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Não consegui achar um defeito nesse filme.
O roteiro, a direção, a trilha sonora, as atuações - todas! -, os músicos, ah, os músicos...
...perfeito!

É uma luta de classes, é uma história de amor, é dos anos oitenta, e claro, o principal, cheio daqueles eternos corres de um sujeito que não sabe cantar tentando montar uma banda.
E tudo isso em francês...

***

- O que você faz da vida, Fred?

- Monto uma banda de música.

***

Música: It's only mystery
Interpretada por Arthur Simms
Compositores: Eric Serra; Louis Bertignac; Corine Marienneau

***

E se não fosse a política tacanha do serviço de streaming com os prints, garanto que seriam muitos. Mas, em todo caso, fica o registro, Isabelle, de que poucas vezes vi uma atuação tão cativante, delicada, doce e precisa como a sua nesse filme.

***

"How can I keep on smiling at there disguise?
When I know nothing good ever comes from lies
My heart is no beginner
but still I can lose my temper

How can we keep on watching that fucking TV?
We're so bored we don't even care what we see
Takes our strength away
And never, never shows us the way, no

[...]

We could dream of a grand evolution
Where we wouldn't ask anymore questions
There will be no, no more pretenders
Use the love that I offer."

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"- Les papieeeers!"

domingo, 12 de janeiro de 2020

Salão da Morte



"Incapazes de superar a morte, a miséria e a ignorância, os homens, para serem felizes, concordaram em não pensar no assunto."
- Pascal.


"...dos sofrimentos auto-impingidos pela observação..."

***

Não podia mais permitir que os objetos de minhas contemplações e observações me ferissem. Ao fazê-las, tinha, pois, de partir do princípio de que também o mais terrível, o mais pavoroso, o mais repugnante e o mais horroroso nada mais eram do que uma coisa natural, razão pela qual eu tinha de suportá-los; de que o que via no salão da morte era o desenrolar de um estado de coisas perfeitamente natural. Aqueles fatos e acontecimentos – mais inconsiderados e impiedosos do que quaisquer outros na minha vida até aquele momento – eram também, como tudo o mais, consequência lógica da negligência, da vileza e da hipocrisia com que a mente humana aliena e, por fim, reprime a natureza. Ali, naquele salão da morte, eu não podia me desesperar, tinha de deixar que a natureza, revelando brutalidade talvez maior do que em qualquer outra parte, agisse sobre mim. Com o auxílio da razão, recuperada após uns poucos dias, logrei reduzir a um mínimo o sofrimento auto-impingido pela observação.”


"Origem - A Respiração"
- Thomas Bernhard -

***

Ampliando o alcance desse poder de "observação" para o território doloroso do "senso crítico", é bem verdade que o desafio, boa parte das vezes, acaba sendo essa incapacidade de evitar o sofrimento sócio da observação um pouquiiiiinho mais cuidadosa do ambiente circundante/salão da morte.

mais terrível, o mais pavoroso, o mais repugnante e o mais horroroso estão aí, desde o princípio dos tempos. Desde os primórdios, quando as pessoas ainda acreditavam que a terra era plana. Ignorância pura e simples: desgraçadamente natural.

mais terrível, o mais pavoroso, o mais repugnante e o mais horroroso estarão aí, até mesmo em tempos pra lá de futuros (?), quando as pessoas voltarem a acreditar que a terra é plana. Ignorância por opção: catastroficamente natural.

Mas o detalhe capcioso é que compreender com lógica e razão a naturalidade do mais terrível, do mais pavoroso, do mais repugnante e do mais horroroso, até mesmo como medida de mitigação de um sofrimento que ultrapassa os limites do suportável, não significa - nunca! - admitir ou compactuar com o mais terrível, com o mais pavoroso, com o mais repugnante e com o mais horroroso.

E também creio que ser realista (ou pessimista) não é, necessariamente, o mesmo que ser constrangedoramente inerte/condescendente.

Assim como o otimismo fruto da ignorância e da conveniência será sempre passível de uma nulidade absoluta a ser declarada de ofício.

***

 É como o carinha traidor lá da Matrix disse: "a ignorância é maravilhosa".
Sem dúvida, como todo ser humano preso em uma realidade distorcida, entendo bem essa afirmação. É que a ignorância é mais facilzinha, mais gostosinha, mais aconchegantezinha, mais maciazinha, mais morninha, além de gerar o amparo confortável - mas enganoso - do pertencimento a uma maioria.

Mas, tem um montão de coisas - básicas! - que, por maior que seja a boa vontade, não dá pra aceitar nem fudendo. Não importa quão cheio de amor esteja meu coraçãozinho, ou quão cheia de comida esteja a minha barriguinha, ou quantos diplominhas já estejam enfileirados na minha paredinha ou quão gordinho seja o valor do meu subsidiozinho.

E, reforçando eternos e esperançosos votos, seguimos acreditando que é muito, muitíssimo necessário, importante, indispensável, premente


Sempre.
(Nem que unicamente pelo prazer de contrariar a mediocridade.)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

deixem que caiam



"vamos deixar que as bombas caiam
estou cansado de esperar

guardei os meus brinquedos
dobrei os meus mapas
cancelei minha assinatura da Time
dei adeus à Disneylândia

tirei as coleiras de pulga dos meus gatos
tirei a tv da tomada
já não sonho com flamingos cor-de-rosa
já não confiro os índices da bolsa

vamos deixar que elas caiam
vamos deixar que elas explodam

estou cansado de esperar

não gosto desse tipo de chantagem
não gosto de governos dando uma de bonzinhos na minha vida:
ou caguem ou desocupem a moita
estou cansado de esperar
estou cansado de balançar
estou cansado do dilema

deixem que as bombas estourem
vocês aí, nações vagabundas choramingonas covardes
vocês aí, gigantes desmiolados
deixem
deixem
deixem!

e fujam para seus planetas e estações espaciais
então poderão ferrar com tudo
lá em cima também."

***


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" Você fica tão sozinho às vezes que até faz sentido"
- Charles Bukowski -

quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Cabras pastando



Um Camelo à capela cantando às cabras, carneiros e cordeiros.

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A Parte do Leão

"A Vaca, a Cabra e a paciente Ovelha associaram-se um dia ao Leão para, pelo menos por uma vez, gozar uma vida tranquila, já que as depredações do monstro (como lhe chamavam nas suas costas) mantinham-nas numa atmosfera de angústia e inquietação da qual dificilmente poderiam escapar sem ser a bem.

Com a conhecida habilidade cinegética dos quatro, certa tarde caçaram um ágil Veado (cuja carne, como é óbvio, repugnava à Vaca, à Cabra e à Ovelha, acostumadas como estavam a alimentar-se das ervas que apanhavam) e conforme acordado dividiram o vasto corpo em partes iguais.

Aqui, proferindo em uníssono toda espécie de queixas e alegando a sua fraqueza e extrema fragilidade, as três puseram-se a vociferar acaloradamente, combinadas de antemão, para ficarem com a parte do Leão, pois, como ensinava a Formiga, queriam guardar alguma coisa para os dias duros do inverno.

Porém desta vez o Leão nem se deu ao trabalho de enumerar as conhecidas razões pelas quais o Veado só lhe pertencia a ele, e comeu-as ali mesmo de uma assentada, por entre os longos gritos delas nos quais se ouviam expressões como Contrato Social, Constituição, Direitos Humanos e outras igualmente fortes e decisivas."


"A ovelha negra e outras fábulas"
- Augusto Monterroso -

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Sergio Herói Poeta e Bandido Sampaio:

Música: Cabras Pastando
Compositor: Sergio Sampaio
Álbum: Tem que acontecer (1976)

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"Eu tenho um dom de causar conseqüências
Um ar de criar evidências
Um sapato novo no lixo
Vem cá, vem me lembrar

Que eu venho de um bando de cabras pastando
De um ninho de cobras me olhando
De herói, de poeta e bandido

Eu vejo um simples carneiro no pasto
Cachorros latindo pra lua
E eu distraído e sem medo
Indo pela rua

Em tempo de ver os cordeiros que pastam
Que amam fechados nos quartos
E pagam pecados a Deus."

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Ovelha Negra.

***

E já faz teeeeempo: