domingo, 12 de janeiro de 2020

Salão da Morte



"Incapazes de superar a morte, a miséria e a ignorância, os homens, para serem felizes, concordaram em não pensar no assunto."
- Pascal.


"...dos sofrimentos auto-impingidos pela observação..."

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Não podia mais permitir que os objetos de minhas contemplações e observações me ferissem. Ao fazê-las, tinha, pois, de partir do princípio de que também o mais terrível, o mais pavoroso, o mais repugnante e o mais horroroso nada mais eram do que uma coisa natural, razão pela qual eu tinha de suportá-los; de que o que via no salão da morte era o desenrolar de um estado de coisas perfeitamente natural. Aqueles fatos e acontecimentos – mais inconsiderados e impiedosos do que quaisquer outros na minha vida até aquele momento – eram também, como tudo o mais, consequência lógica da negligência, da vileza e da hipocrisia com que a mente humana aliena e, por fim, reprime a natureza. Ali, naquele salão da morte, eu não podia me desesperar, tinha de deixar que a natureza, revelando brutalidade talvez maior do que em qualquer outra parte, agisse sobre mim. Com o auxílio da razão, recuperada após uns poucos dias, logrei reduzir a um mínimo o sofrimento auto-impingido pela observação.”


"Origem - A Respiração"
- Thomas Bernhard -

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Ampliando o alcance desse poder de "observação" para o território doloroso do "senso crítico", é bem verdade que o desafio, boa parte das vezes, acaba sendo essa incapacidade de evitar o sofrimento sócio da observação um pouquiiiiinho mais cuidadosa do ambiente circundante/salão da morte.

mais terrível, o mais pavoroso, o mais repugnante e o mais horroroso estão aí, desde o princípio dos tempos. Desde os primórdios, quando as pessoas ainda acreditavam que a terra era plana. Ignorância pura e simples: desgraçadamente natural.

mais terrível, o mais pavoroso, o mais repugnante e o mais horroroso estarão aí, até mesmo em tempos pra lá de futuros (?), quando as pessoas voltarem a acreditar que a terra é plana. Ignorância por opção: catastroficamente natural.

Mas o detalhe capcioso é que compreender com lógica e razão a naturalidade do mais terrível, do mais pavoroso, do mais repugnante e do mais horroroso, até mesmo como medida de mitigação de um sofrimento que ultrapassa os limites do suportável, não significa - nunca! - admitir ou compactuar com o mais terrível, com o mais pavoroso, com o mais repugnante e com o mais horroroso.

E também creio que ser realista (ou pessimista) não é, necessariamente, o mesmo que ser constrangedoramente inerte/condescendente.

Assim como o otimismo fruto da ignorância e da conveniência será sempre passível de uma nulidade absoluta a ser declarada de ofício.

***

 É como o carinha traidor lá da Matrix disse: "a ignorância é maravilhosa".
Sem dúvida, como todo ser humano preso em uma realidade distorcida, entendo bem essa afirmação. É que a ignorância é mais facilzinha, mais gostosinha, mais aconchegantezinha, mais maciazinha, mais morninha, além de gerar o amparo confortável - mas enganoso - do pertencimento a uma maioria.

Mas, tem um montão de coisas - básicas! - que, por maior que seja a boa vontade, não dá pra aceitar nem fudendo. Não importa quão cheio de amor esteja meu coraçãozinho, ou quão cheia de comida esteja a minha barriguinha, ou quantos diplominhas já estejam enfileirados na minha paredinha ou quão gordinho seja o valor do meu subsidiozinho.

E, reforçando eternos e esperançosos votos, seguimos acreditando que é muito, muitíssimo necessário, importante, indispensável, premente


Sempre.
(Nem que unicamente pelo prazer de contrariar a mediocridade.)

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