domingo, 19 de janeiro de 2020

Enquanto salta e saltita


...a estranheza é um traço dos milagres...

Steinberg.
Saul.

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“Às vezes, acho que entendi tudo, e poucos minutos depois me surpreendo ao me dar conta de que não entendi nada, não me lembro mais do que tinha afinal entendido. Compreendemos por meio de uma emoção. Fiquei felicíssimo quando, pela primeira vez, entendi que entendia. Difícil explicar melhor: entender que entendera, entender que a coisa é possível, entender que, mesmo estando perdida por hora, não está perdida para sempre.

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Uma pequena homenagem a esse grandioso, sensível e querido desenhista.

"...cortar, cortar, cortar."

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“Nada do que é depositado na memória se perde, ela é um computador que continua acumulando dados para a vida inteira, dados que nem sempre se utiliza, porque o homem muitas vezes parece um transatlântico que navega com apenas uma cabine ocupada. Deveríamos conseguir usar continuamente esse imenso acúmulo de dados, mantê-los em exercício, combiná-los entre si, multiplica-los, reintroduzi-los no curso de nossos pensamentos.”

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“Não quis, assim como não quero rever a Romênia: são lugares que não pertencem à geografia, mas ao tempo. E a recordação desses lugares de tristeza, de sofrimento, mas sobretudo de grandes emoções, se dissipa quando os revemos. É melhor deixar certas coisas em paz, tal como estão na memória: com o passar do tempo, tornam-se a mitologia da nossa vida. Não quis nem mesmo rever certas pessoas com quem tive alguma amizade em determinado lugar, em determinada época: colegas de escola, de infância. Não se pode retornar um diálogo que nunca foi um verdadeiro diálogo, mas antes uma cumplicidade temporária, a cumplicidade que se estabelece entre gente que ocupa a mesma cabine de um trem. É certo que se tivesse que voltar a morar na rua Palas, em Bucareste, onde passei a infância e a mocidade, eu o faria; mas passar por lá às pressas me pareceria uma falta de respeito inadmissível.”

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“E assim tenho medo de que o desenho revele certas partes de mim mesmo, certas zonas de vulgaridade em que não digo a verdade, lanço mão do que já sei, dos lugares-comuns, e vejo em mim mesmo, isto é, no desenho que estou fazendo, alguns dos meus defeitos constantes: terminar sem terminar, cansar e renunciar a insistir num ponto que seria essencial, por timidez ou por preguiça, deixa de insistir, e assim as coisas não terminam como deveriam, a promessa é mais abundante que o resultado. Há por vezes alguma coisa de sedutor no que faço, mas que seria bom de verdade se eu continuasse seriamente até o fim, se mantivesse a promessa.”

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“Na faculdade de arquitetura, alguém (já não recordo quem) me deu esse conselho útil: “Quando a borracha cair no chão, não se precipite a pegá-la de volta; siga-a com os olhos enquanto salta e saltita, até parar, e só então vá pegá-la”. E, analogamente: “Na hora de fechar os tubos de tinta, depois de ter usado vários às pressas, não se deve nunca andar com o tubo à procura da tampa; primeiro pegue a tampa e depois vá em busca do tubo. É bem mais fácil.

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“Aprendi muitas coisas com Sig Lomaky, um marceneiro finlandês, habilidosíssimo. Fabricou para mim, para o estúdio, pranchetas de desenho, painéis, escadas. Era um grande prazer vê-lo trabalhar. Consertava peças de madeira quebradas: “mesas” que eu tinha fabricado por conta própria e que ficavam bambas porque estavam mal coladas, de um lado só. Remediava meus erros com truques engenhosos, e as “mesas” consertadas eram mais bonitas atrás, com os reforços e as correções que ele introduzira, do que na frente.

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"Reflexos e sombras"
- Saul Steinberg -
(com a colaboração de Aldo Buzzi)

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