terça-feira, 6 de maio de 2025

com simplicidade, franqueza, acrobacias matutinas e a boa e velha poesia acidental

E chegou. Agora pela segunda vez.
Embalado com tanto carinho quanto foi escrito.

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“...e o mundo abundava em todo o género de prodígios que supor se possa...”

[...]

“...mas bem te digo que sei lidar com cavalos. Consigo com que eles queiram fazer tudo o que eu quiser que eles façam. Os cavalos compreendem-me.

- Como é que arranjas isso? – perguntei.

- Cá me entendo com cavalos.

- Está bem, mas entendes-te como?

- Com simplicidade e franqueza.”

[...]

“Um homem desconfiado fiava-se nos olhos e não no coração.”

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“O meu tio Melik deve ter sido o pior lavrador que jamais existiu. Era demasiado imaginativo para que as coisas lhe saíssem bem. O que ele queria era o belo. Queria plantá-lo e vê-lo crescer. Eu próprio plantei para cima de cem romãzeiras. E também guiei um tractor John Deere, tal como o meu tio. Tudo aquilo era arte, não agricultura. Do que meu tio gostava era da ideia de plantar árvores e vê-las crescer.”

[...]

“O meu tio endireitou-se, e suspirou profundamente.

- Põe o animalzinho no chão – disse. – Sejamos bons para com as inocentes criaturas de Deus Todo-Poderoso. Se não é venenoso nem chega a crescer mais do que um rato e se não anda em grupos muito numerosos nem tem memória para falar de tudo isto, deixa a tímida criaturinha voltar à terra. Sejamos bons para com os serzitos que connosco vivem à superfície do globo.

- Sim senhor.

Pousei o sapo no chão.

- Vá, com jeitinho. Que nenhum mal aconteça a este estranho habitante das minhas terras.”

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“- Isso o que é?

- Olhe, é assim uma espécie de ratos. Pertencem à família dos roedores.

- E que faz tudo isso, nas minhas terras?

- Não sabem que esta terra é sua. Vivem aqui desde sempre.”

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“Não trocamos palavra, porque havia imensas coisas para dizer e não havia linguagem que as dissesse.”

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“Tudo aquilo eram coisas que eu já sabia pouco mais ou menos, mas a que nunca me dera ao trabalho de ligar. A coisa consistia em levantar-me de manhã cedo, e durante cerca de uma hora fazer exercícios de ginástica, que vinham ilustrados. E também de beber muita água, respirar muito ar puro, comer do bom e do melhor, e manter a coisa até se chegar a gigante.

[...]

Entretanto, ia cumprindo as regras prescritas e tornava-me mais forte de dia para dia. Quando digo entretanto, quero dizer que cumpri as regras durante quatro dias. Ao quinto decidi dormir em vez de me levantar e de encher a casa de barulho, para irritação da minha avó.

[...]

Pus então de parte o programa de Mr. Strongfort e voltei ao meu próprio programa, que consistia sensivelmente no seguinte: ter calma e crescer, por forma a tornar-me o homem mais forte das redondezas, sem quaisquer preocupações ou exercícios. Foi o que fiz.

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“Mostrava-se sempre impaciente com todo género de conversas, excepto com as conversas mais directas e pertinentes. O que ele queria era saber o que não sabia, e nada mais. Não queria conversas pelo gosto de conversar.”

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“Tudo aquilo era muito bonito, mas com a melancolia de um tom menor.”

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“Estou convencido que uma pessoa exagera quando não se lembra dos outros.”

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“...só pela sua acidental poesia e não com mira em lucros mesquinhos.”

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“Não se pode ter tudo – excepto um dia ou dois de cada vez.”

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“Os seus olhos eram de criança, mas pareciam recheados de anos de recordações – de anos e anos de separação de coisas profundamente amadas...

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...era uma voz que parecia vir não dele próprio como da sua velha terra.

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...e a sua melancólica cabeça de criança cheia de compreensão e mágoa...

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Nada há como o encanto de um povo, a variedade; a qualidade que os torna humanos e merecedores de se perpetuarem.”

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“- Há pessoas que falam quando têm alguma coisa para dizer – acrescentou a minha mãe -; outras não.

- Mas como pode uma pessoa falar sem dizer nada?

- Fala-se sem palavras. Estamos constantemente a falar sem palavras.

- Para que servem então as palavras?

- Para nada, quase sempre. Na maior parte das vezes, apenas servem para encobrir aquilo que se quer realmente dizer ou que não queremos que se saiba.”

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Cai então a noite, que é quando o deserto se excede. Quando o deserto e a noite se encontram, dá-se aquilo a que se chama silêncio.

É daquelas coisas que se não esquecem.

Enche-se a memória da quietude e do mistério do mundo.”

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My name is Aram
(William Saroyan, 1940)


Meu nome é Aram
Composto e impresso por Gris, Impressores. Lisboa, 1972.