domingo, 16 de fevereiro de 2025

ainda é só o começo


Fim, Fernanda Torres (2013)

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“A queda é a maior ameaça para o idoso. 'Idoso', palavra odienta. Pior, só 'terceira idade'. A queda separa a velhice da senilidade extrema. O tombo destrói a cadeia que liga a cabeça aos pés. Adeus, corpo. Em casa, vou de corrimão em corrimão, tateio móveis e paredes, e tomo banho sentado. Da poltrona para a janela, da janela para a cama, da cama para a poltrona, da poltrona para a janela.”

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“...tudo muito triste e civilizado...”

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“...um criadouro de deformações neuróticas das gerações que lhe serviram de pasto.”

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“Todos aguardavam a expiação, o mea-culpa que, segundo a teoria, romperia com as mazelas psíquicas que lhe mantinham fechadas as portas da felicidade.”

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“...o futuro se define cedo.”

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A estrela-d'alva no céu desponta... Estrela-d'alva é fim de festa. Está ficando azul... o céu... anil. Odeio o amanhecer. Angústia filha da putíssima.”

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“Foi a infância da minha velhice.”

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“É o que sempre procurei, esse não se importar com o que me cerca, não sofrer, não sentir. Como é bom, meu Deus.”

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“Os coveiros lacraram a cova com as pás besuntadas de cimento, dando um inusitado toque de reforma de banheiro à cerimônia.”

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“Amar estava na ordem do dia.”

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“Leu Platão, O banquete, com o grupo de estudos, e descobriu-se andrógina. Algum deus maldito havia cortado ao meio seu corpo de origem, separando-a do homem dela. Queria encontra-lo, reavê-lo. À noite, fantasiou ser costurada de volta, ponto por ponto, pele com pele, sentiu calafrios e dormiu excitada. Ruth só esqueceu de prestar atenção no alerta do sábio: ‘Só se ama aquilo que não se tem’.”

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“Me tornei alheio ao drama de terceiros.”

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“Decidi não mais colaborar com os laboratórios, me vinguei de forma sistemática, atrapalhando a preciosa pesquisa deles. Fornecia dados fraudulentos, alegava tonturas, dores no peito que não existiam. Me revelei um rato anárquico, perigoso, que planejava destruir a megalomania científica dos reguladores de humor, frustrar o delírio dos que pretendiam controlar meu desespero. Tive uma melhora considerável nesse período, gostava de ver a surpresa do doutor diante do quadro que eu descrevia. Estava na cara que o Péricles estava perdido. E, mesmo antes, quando eu ainda não blefava sintomas, ele também estava perdido. Um clínico saberia diagnosticar uma pancreatite fingida, mas o psico Péricles seguia à risca as estatísticas americanas, as tabelas de comportamento da Pfizer, da Roche, sem perceber que eu fazia o que o homem faz desde que se entendeu por gente: eu mentia e me divertia. Não há remédio pra isso.”

[...]

“...tatibitate estereofônico...”

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“Combatia um demônio chamado civilização.”

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