domingo, 7 de dezembro de 2025
domingo, 21 de setembro de 2025
sábado, 20 de setembro de 2025
balancemos, balençamos: hontem e oje
domingo, 14 de setembro de 2025
soa o gongo
quando é um rústico, um drástico, um dramático, um trágico, um apocalíptico,
Shining (2025)
Mac DeMarco
sábado, 13 de setembro de 2025
segunda-feira, 8 de setembro de 2025
sábado, 6 de setembro de 2025
deus na escuridão - MÃE, valter hugo

Deus na escuridão
Valter Hugo Mãe
“Quando nasce uma cria, há um planeta com seu nome onde só sua mãe habita.”
“...sumária e toda.”
“...meu irmão não teria atmosfera, seria ainda vulcânico...”
“Tinha muita higiene com Deus.”
“Ia ser tão limpo e sem culpa que haveria de comparar-se ao valor da paz.”
“Amamos mais o que vemos em perigo. Amamos mais quem vemos em perigo.”
“Meu pai via-se para tão longe que só poderia estar feito de distância.”
“Diz-se que a ilha já inventaria suas flores só pela memória, sem semente nem água.”
“A fome é uma certa morte à espera.”
“De todas as vezes que fazia o que era pedido ou esperado, eu era bonito. Não havia melhor coisa para ser.”
“Tinha uma infância aguda. Sofria de infantilidade drástica, máxima.”
“Eram a matemática dos afectos. E eu disse: as mães. Eu disse: minha mãe vai educar este dinheiro, minha senhora.”
“Quando minha mãe puser as mãos neste dinheiro, vai levá-lo onde adube, onde cubra, onde cure, onde faça justiça. Este dinheiro, minha senhora, vai ser inteligente à força de minha mãe. Vai aprender uma lição de vida. Vai ser como um doutor. E eu ficarei feliz.”
“Assim se educa o dinheiro. Que por vezes se esquiva das mãos que o merecem. Esperneia por pudores, vergonhas e demasiadas etiquetas.”
“Pelo amor, sobretudo, que a santidade não dava aos homens da ilha. Só às mulheres.”
“O mar, essa imensa tristeza de água.”
“...tão feita de tempo e saúde...”
“Éramos pessoas puras em nossas incompletudes e derivas.”
“Quando não se acredita com o coração, é importante acreditar com os braços, com os pulmões ou com o estômago. A vida desafia por todo o lado, e a resistência tem de ir buscar sua ciência a qualquer pulsação, qualquer fluxo, qualquer golfada de ar. Até para amar. Maioria do amor é com os braços. Com a força das pernas, com a cabeça obstinada procurando soluções para proteger.”
“Avelharíamos casmurros como todos os velhos. A ficar de aspecto longínquo, todos antigos, como animais de outras épocas que procuram habitar ainda um planeta que foi embora à revelia.”
“O medo sempre pergunta sobre a culpa, porque a coragem constrói a partir da convicção de se merecer, ou não, vencer o obstáculo.”
“A solidão é sempre uma espécie de fim. O fim de um lugar.”
“A partilha de uma maravilha trazia mais maravilha ainda. E eu sentia-me orgulhoso de ter sabido daquilo primeiro. De ter merecido saber daquilo primeiro.”
“Na direção das minhas pessoas sagradas era, por natureza, o meu caminho.”
“...em redor de suas mães perfeitas, porque é o amor que aperfeiçoa.”
“Seria invisível no radar da fome.”
“A mesa estava posta. A sopa pelos pratos a parecer um jardim desfeito com beleza. Podiam ser nenúfares aquelas plantas de flutuar.”
“Comíamos a sopa e nossa mãe recomendava: só parar até ficar limpo o prato, porque a maravilha que se juntou no prato vai juntar-se inteirinha nas vossas barrigas, e as vossas barrigas vão pensar que são o Paraíso. Quando estávamos alimentados, salvos da fome, ela perguntava: onde fica o Paraíso. E nós dizíamos: aqui. Dentro de nós. Umas vezes no peito, outras vezes mais abaixo. Mas invariavelmente dentro de nós.”
“Eu deveria saber amar tanto que aceitasse a ausência. Se eu fosse maduro, se não fosse néscio, como me acusaram, eu deveria amar sem morrer perante a ausência.”
“Pouquinho ensinara que não se prometem a Deus sofrimentos nem sacrifícios porque, como as mães, Ele não nos quer ver sofrer.
Nunca prometas a Deus o teu sofrimento.
Ajuda Seus filhos a reencontrar o caminho de casa.
Devemos prometer cantar-Lhe, alimentar-Lhe os filhos, salvar-Lhe os animais, regar as plantas, semear pela terra toda, proteger os livros. Caminhar em visita. Ele dizia: quero que prometas, Felicíssimo. Eu quero que tu prometas que O ajudas, mas que não te provocarás a dor. Quem se vicia na dor desumaniza-se.”
“E minha maior obrigação será sempre a de aclamar o coração de minha mãe.”
“...o futuro é uma riqueza universal. Vai esperar a todos.”
“Quem eu era, sem ser muito, haveria de estar todo contido no que fazia.”
“Ainda que minha fuga fosse pela eternidade, uma fuga infinita, sem limite e sem aceitar negociação nem concessão, eu preparava-me para o gasto efêmero do corpo. Essa pressa que ele tem em exalar sua alma, entregar-se à terra, esquecer que nos serviu.”
“Que necessidade tem o corpo em começar a apodrecer, em todos os instantes ensaia sua falência. Ainda que nos sirva, é tão facilmente contra nós. Um inimigo que domesticamos pela metade. O corpo é um suicida. Por mais motivada a alma, por mais que o encantemos, ele progride para desistir.”
“Enquanto reeducávamos os pulmões, nos enchíamos um do outro, como se dentro de cada um voltasse a haver um espaço em que o outro entrava, sem ir embora. Sem jamais ir embora.”
“Quem prefere o amor vive no milagre, e o milagre é em toda parte.”
“...irremediavelmente assim, irremediavelmente juntos.”
sábado, 23 de agosto de 2025
MÃEgue
"o luxo de ter o que todos têm
dois pulmões neon"
***
domingo, 17 de agosto de 2025
a água é uma MÃEquina do tempo
domingo, 27 de julho de 2025
lenta e
suave
sua avó soa veloz pelo jardim
salga uma lesma
assobia pelo ouvido
cerca e se antecipa
sabe sobre tudo
sobretudo, sábia
***
- A senhora vai temperar umas lesmas?
- É, vou levar um agradinho pra elas.
***
terça-feira, 6 de maio de 2025
com simplicidade, franqueza, acrobacias matutinas e a boa e velha poesia acidental
E chegou. Agora pela segunda vez.
Embalado com tanto carinho quanto foi escrito.
***
“...e o mundo abundava em todo o género de prodígios que supor se possa...”
[...]
“...mas bem te digo que sei lidar com cavalos. Consigo com que eles queiram fazer tudo o que eu quiser que eles façam. Os cavalos compreendem-me.
- Como é que arranjas isso? – perguntei.
- Cá me entendo com cavalos.
- Está bem, mas entendes-te como?
- Com simplicidade e franqueza.”
[...]
“Um homem desconfiado fiava-se nos olhos e não no coração.”
***
“O meu tio Melik deve ter sido o pior lavrador que jamais existiu. Era demasiado imaginativo para que as coisas lhe saíssem bem. O que ele queria era o belo. Queria plantá-lo e vê-lo crescer. Eu próprio plantei para cima de cem romãzeiras. E também guiei um tractor John Deere, tal como o meu tio. Tudo aquilo era arte, não agricultura. Do que meu tio gostava era da ideia de plantar árvores e vê-las crescer.”
[...]
“O meu tio endireitou-se, e suspirou profundamente.
- Põe o animalzinho no chão – disse. – Sejamos bons para com as inocentes criaturas de Deus Todo-Poderoso. Se não é venenoso nem chega a crescer mais do que um rato e se não anda em grupos muito numerosos nem tem memória para falar de tudo isto, deixa a tímida criaturinha voltar à terra. Sejamos bons para com os serzitos que connosco vivem à superfície do globo.
- Sim senhor.
Pousei o sapo no chão.
- Vá, com jeitinho. Que nenhum mal aconteça a este estranho habitante das minhas terras.”
[...]
“- Isso o que é?
- Olhe, é assim uma espécie de ratos. Pertencem à família dos roedores.
- E que faz tudo isso, nas minhas terras?
- Não sabem que esta terra é sua. Vivem aqui desde sempre.”
[...]
“Não trocamos palavra, porque havia imensas coisas para dizer e não havia linguagem que as dissesse.”
***
“Tudo aquilo eram coisas que eu já sabia pouco mais ou menos, mas a que nunca me dera ao trabalho de ligar. A coisa consistia em levantar-me de manhã cedo, e durante cerca de uma hora fazer exercícios de ginástica, que vinham ilustrados. E também de beber muita água, respirar muito ar puro, comer do bom e do melhor, e manter a coisa até se chegar a gigante.
[...]
Entretanto, ia cumprindo as regras prescritas e tornava-me mais forte de dia para dia. Quando digo entretanto, quero dizer que cumpri as regras durante quatro dias. Ao quinto decidi dormir em vez de me levantar e de encher a casa de barulho, para irritação da minha avó.
[...]
Pus então de parte o programa de Mr. Strongfort e voltei ao meu próprio programa, que consistia sensivelmente no seguinte: ter calma e crescer, por forma a tornar-me o homem mais forte das redondezas, sem quaisquer preocupações ou exercícios. Foi o que fiz.
***
“Mostrava-se sempre impaciente com todo género de conversas, excepto com as conversas mais directas e pertinentes. O que ele queria era saber o que não sabia, e nada mais. Não queria conversas pelo gosto de conversar.”
***
“Tudo aquilo era muito bonito, mas com a melancolia de um tom menor.”
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“Estou convencido que uma pessoa exagera quando não se lembra dos outros.”
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“...só pela sua acidental poesia e não com mira em lucros mesquinhos.”
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“Não se pode ter tudo – excepto um dia ou dois de cada vez.”
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“Os seus olhos eram de criança, mas pareciam recheados de anos de recordações – de anos e anos de separação de coisas profundamente amadas...
[...]
...era uma voz que parecia vir não dele próprio como da sua velha terra.
[...]
...e a sua melancólica cabeça de criança cheia de compreensão e mágoa...
[...]
Nada há como o encanto de um povo, a variedade; a qualidade que os torna humanos e merecedores de se perpetuarem.”
[...]
“- Há pessoas que falam quando têm alguma coisa para dizer – acrescentou a minha mãe -; outras não.
- Mas como pode uma pessoa falar sem dizer nada?
- Fala-se sem palavras. Estamos constantemente a falar sem palavras.
- Para que servem então as palavras?
- Para nada, quase sempre. Na maior parte das vezes, apenas servem para encobrir aquilo que se quer realmente dizer ou que não queremos que se saiba.”
***
Cai então a noite, que é quando o deserto se excede. Quando o deserto e a noite se encontram, dá-se aquilo a que se chama silêncio.
É daquelas coisas que se não esquecem.
Enche-se a memória da quietude e do mistério do mundo.”
***
My name is Aram
(William Saroyan, 1940)

Meu nome é Aram
Composto e impresso por Gris, Impressores. Lisboa, 1972.


















