domingo, 14 de setembro de 2025

soa o gongo



JUL/2022

***

de um lado do ringue
oitenta e dois quilos
de bronquite e tártaro
do outro lado do ringue,
o cruzado de esquerda
mais insosso da cidade

soa o gongo do primeiro assalto
e sigo gastando todo o seu
dinheiro em dívidas
de apostas nas
lutas que não são nada bonitas de se ver

minha dívida eterna de córnea e retina

assisto atento ao município
com a habilidade de escotista
nestes campos de bocejo
em que o menos interessante é sorte

e rabisco os cenários,
os movimentos,
os caracteres
nesse meu caderno de vários erros consecutivos,

os mais dissimulados
erros

e quando falta a criatividade
o que assalta é o algoritmo
ou a perspicácia sincera
do daguerreótipo
imparcial

onde há ínfima novidade ou luz,
volta ligeira no quarteirão
relaxa pupilas e
traz alívio de ar fresco ilusório

testemunho na praça central
que, descida do palanque da razão,
a felicidade agora está descalça no pátio
garantindo sua satisfação
a preços módicos

e nos sons e ruídos incidentais da trilha
de rua: os novos e já tão grandiosos artistas

o jazz desconfia, discorda e de tudo duvida
o blues procrastina suas dores
o choro segura o choro, o samba camba,
a bossa, sova

movimento perpétuo em
máquina de madeira, metal, couro, nylon
carne e fôlego

e, investigando, sigo mais um pouco e ainda a pé,
afinal, um cara,
quando é um rústico, um drástico, um dramático, um trágico, um apocalíptico,
ele anda a pé

seja na chuva sovina daqueles sete anos
seja neste rascante, incendiário e sisífico mês de agosto

colecionando azarões perfeitos
- estrutura e formação -
constituição bem trabalhada
de viver beijando a lona
sem jamais se permitir
jogar a toalha

lutas nada bonitas de se ver

então saquemos dos nossos próprios bolsos
e façamos nossas apostas por conta e risco

a cidade não vai esperar
a reunião do conselho da tesouraria

(2019)

***


Shining (2025)
Mac DeMarco

***

Sim, tudo muito bom, tudo muito bem, muito bonito, muito falsetístico, muito equestre, muito puro.

Mas a questão é que o sol já não brilha sobre ninguém, meu ferinha.
Ele chove.
Nos seus próprios termos, ele chove.
E por isso a chuva parou de ligar.

E eu fiz de tudo pra não me importar com nada disso, mas, pego de surpresa assim, num domingo à noite, depois de mais uma bateria de chopps que não deram em nada, confesso que cometi essa gafe de ficar comovido.

***

E "gonna away now" é uma placa de sinalização que devíamos obedecer com mais frequência mesmo, concordo contigo.

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