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inicialmente, te emprestei o meu,
depois passei a carregar dois lenços,
um em cada bolso.
quando chorava usava o da direita,
quando você chorava, te oferecia o da esquerda.
não por nada não, viu, mas só
com propósitos puramente sanitários,
considerando com cautela o ambiente hospitalar.
às vezes, usava os dois sem perceber,
às vezes, te oferecia ambos
e enxugava nas costas da mão
ou deixava pingar solto nas suas omoplatas.
e houve ocasiões em que choramos aleatoriamente
nestes paninhos
misturando muco e lágrima meus e seus
tanto no da direita, quanto no da esquerda e vice-versa,
sem nenhuma cerimônia.
hoje vi que você ainda usava o lenço de anteontem,
mesmo eu sendo tão cuidadoso em renovar o estoque
com peças limpas a cada nova visita
à UTI humanizada.
te perguntei o motivo, mas, sem esperar resposta,
ofereci de pronto um outro novinho
apenas para descobrir que você
poupava no canto da bolsa os dois lencinhos limpos
de hontem e oje.
e pensar que houve uma noite cega e suja nessa cidade em que alguém se virou sem tato de seda ou microfibra e nos disse:
"- quem ainda carrega lenços nesse mundo?"
(oje, SET/2025)

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