o barco
"meu coração não aguenta"
"meu coração não aguenta"
***
“Nada em todo o rio parecia mais náutico.”
“...o segredo de todo um continente...”
“Eram bastante homens para enfrentar as trevas.”
“O que nos salva é a eficiência: a devoção à eficiência.”
“Ora, quando eu era menino, tinha paixão por mapas. Ficava horas
olhando a América do Sul, ou a África, ou a Austrália, e me perdia em todas as
glórias da exploração. Naquele tempo havia muitos espaços vazios na terra e,
quando eu via um que parecia particularmente convidativo num mapa (embora todos
pareçam), punha o dedo em cima e dizia: Quando eu crescer, irei lá. Lembro-me
que o Polo Norte era um desses lugares. Bem, não estive lá ainda, e agora não
tentarei mais. O encanto acabou. Outros lugares espalhavam-se pelo equador, e
por tudo que era latitude nos dois hemisférios. Estive em alguns deles, e...
bem, não vamos falar disso. Mas ainda havia um... o maior, o mais vazio, por
assim dizer... pelo qual eu suspirava.”
“Era como uma fatigada peregrinação por entre sugestões de
pesadelos...”
“Havia naquele posto uma atmosfera de conspiração, mas nada
resultava, claro. Era tão irreal quanto tudo mais – como a falsa filantropia de
toda empresa, como a conversa deles, como o governo deles, como a exibição de
trabalho que faziam.”
“...o silêncio da terra chegava ao próprio coração da gente.”
“- ...Não, é impossível; é impossível transmitir a sensação
viva de qualquer época de nossa existência... o que constitui a verdade, o seu
significado... sua sutil e penetrante essência. É impossível. Vivemos, como
sonhamos... sós...”
“O barco ressoava, sob meus pés, como uma lata vazia de
biscoitos Huntley & Palmer chutada numa sarjeta; não era uma fabricação tão
sólida, e tinha formas bem menos bonitas, mas eu despendera muito trabalho duro
nele para não amá-lo.”
“Preferia mandriar por aí e pensar em todas as belas coisas
que se podem fazer. Não gosto do trabalho – nenhum homem gosta – mas gosto do
que há no trabalho – a oportunidade de nos descobrir. Nossa própria realidade –
para nós, não para os outros – o que nenhum homem pode saber. Os outros podem
apenas ver o espetáculo, mas nunca vão saber o que ele realmente significa.”
“E na verdade que importa o preço se o truque é bem feito?”
“Evidentemente, um tolo, em parte por puro medo e em parte
por boas intenções, está sempre a salvo.”
“Boas intenções, dizem vocês? Ao diabo com as boas
intenções! Eu não tinha tempo.”
“...num canto escuro, e, através da porta, percebi um livro.
Estava sem capa, e as páginas haviam sido manuseadas até se tornarem de uma
fragilidade extremamente suja; mas a lombada fora amorosamente recosturada com
fio de algodão branco, que ainda parecia limpo. Era uma descoberta
extraordinária. Intitulava-se: Investigação
sobre Alguns Pontos do Ofício de Marinheiro, de um certo Towser, Towson –
um nome assim – comandante da Marinha de Sua Majestade. O assunto parecia
leitura bastante chata, com diagramas ilustrativos e repulsivas tabelas de
números, e o exemplar tinha sessenta anos. Manuseei aquela surpreendente
antiguidade com a maior ternura possível, para que não se desintegrasse em
minhas mãos. Lá dentro, Towson ou Towser investigava seriamente a tensão de
ruptura das correntes e cordame de navios, e outros assuntos que tais. Um livro
não muito emocionante; mas à primeira vista podia-se ver uma uniformidade de
propósito, uma preocupação honesta com o modo certo de fazer as coisas, que
tornavam aquelas páginas humildes, apesar de tantos anos passados, luminosas
com uma luz outra além da profissional. O simples marinheiro velho com sua
conversa sobre correntes e compras, fez-me esquecer a selva e os peregrinos,
numa deliciosa sensação de ter encontrado alguma coisa inequivocadamente real.
Um livro daquele já era maravilhoso; mas ainda mais espantosas eram as
anotações escrevinhadas nas margens, e visivelmente referentes ao texto. Eu não
podia acreditar no que via! Estavam em código! Sim, parecia código. Imagine um
homem carregando consigo um livro desse tipo para aqueles confins, e estudando-o
– e fazendo anotações -, e ainda por cima em código! Era um mistério
extravagante!
“Enfiei o livro no bolso. Garanto a vocês que abandonar a
leitura foi como arrancar-me do abrigo de uma velha e sólida amizade.”
“...mas, antes que pudesse chegar a alguma conclusão,
ocorreu-me que minha fala ou meu silêncio, na verdade qualquer ação minha,
seria uma mera futilidade. Que importava o que qualquer um sabia ou ignorava?
[...] Os pontos essenciais daquele caso jaziam muito abaixo da superfície, além
do meu alcance e de meu poder de intrujice.”
“Mesmo o extremo sofrimento pode em última instância
explodir em violência – embora mais geralmente assuma a forma de apatia...”
“...estava escrito que eu seria leal ao pesadelo de minha
escolha.”
“Coisa esquisita é a vida – esse misterioso arranjo de lógica
cruel para um objetivo fútil.”
“...uma colheita de inextinguíveis arrependimentos.”
“Vi-me de volta à cidade sepulcral, ressentindo-me da visão
das pessoas andando apressadas pelas ruas para roubar um dinheirinho umas das
outras, devorar suas infames comidas, engolir sua cerveja insalubre, sonhar
seus sonhos insignificantes e tolos. Elas invadiam meus pensamentos. Não
passavam de intrusas cujo conhecimento da vida era para mim uma impostura
irritante, porque eu tinha toda certeza de que não podiam conhecer as coisas de
que eu conhecia. O andar delas, simplesmente o andar de indivíduos vulgares
tratando de seus negócios, certos de uma perfeita segurança, era ofensivo como
o ultrajante pavonear-se da loucura diante de um perigo que é incapaz de
compreender. Eu não tinha qualquer desejo particular de esclarecê-las, mas
sentia certa dificuldade para impedir-me de rir na cara delas, tão cheias de
estúpida importância. Eu diria que não andava muito bem nessa época. Vagava
pelas ruas – tinha casos sérios a resolver – sorrindo perversamente de pessoas
inteiramente respeitáveis. Admito que meu comportamento era inexcusável, mas
também minha temperatura raramente se mostrava normal nesses dias."
***
(Joseph Conrad - O coração das trevas)
***
Caetano Veloso - Os Argonautas
***
o porto: não.
o porto: não.
o porto: nada.
o porto: silêncio.
***
"...o barulho do meu dente em tua veia..."
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