domingo, 4 de fevereiro de 2018

Rum


“...um tipo de compreensão tênue de que neste ramo toda conversa é fiada e de que um homem certo do que quer tem pouco tempo para atingir seu objetivo e não pode se dar ao luxo de ficar se explicando.”

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“'Feliz', murmurei, tentando definir aquela palavra. Mas essa é uma daquelas palavras que nunca consegui entender direito, assim como Amor. Muitas pessoas que trabalham com palavras não confiam muito nelas, e não sou exceção – especialmente quando se trata de palavras grandiosas, como Feliz, Amor, Honesto e Forte. São palavras fugidias, relativas demais quando comparadas a palavrinhas afiadas e maldosas como Marginal, Vagabundo e Charlatão. Com essas me sentia em casa, porque são mirradas e fáceis de definir, mas as grandiosas são difíceis. Você precisa ser um sacerdote ou um tolo para usá-las com alguma segurança.

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“Era isso que eu repetia a mim mesmo naquelas tardes quentes de San Juan, quando estava com trinta anos, e minha camisa molhada de suor grudava nas costas. Me sentia no topo de uma espécie de auge solitário, com meus tempos de irresponsável encerrados e nada além de decadência à minha espera. Era uma época lúgubre. Minha visão fatalista de Yeamon não era exatamente uma convicção, mas uma necessidade. Se concedesse a ele um mínimo de otimismo, precisaria admitir diversas coisas infelizes a meu respeito.”

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“Mas sabia estar chegando a um ponto em que precisaria tomar uma decisão a respeito de Porto Rico. Já estava ali havia três meses, mas pareciam três semanas. Até então, nada surgira de concreto, nenhum dos prós e contras genuínos que apareciam em outros lugares. Por todo o tempo em que estivera em San Juan, amaldiçoara a cidade sem realmente desgostar dela. Senti que mais cedo ou mais tarde enxergaria aquela terceira dimensão, aquela profundidade que torna uma cidade verdadeira, e que você nunca enxerga até morar nela por algum tempo. Mas quanto mais tempo eu ficava por lá, mais suspeitava de que pela primeira vez na vida, estava em um lugar onde tal dimensão não existia, ou ao menos era nebulosa demais para fazer qualquer diferença.”

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“Ali o sol não me incomodava. Parecia combinar com as quadras de saibro, o gim e a bolinha branca zunindo de um lado para o outro. Lembrei de outras quadras de tênis e de um tempo quase esquecido, cheio de sol, gim e pessoas que nunca mais veria porque não conseguíamos mais conversar sem parecer entediantes ou frustrados. Fiquei ali sentado na tribuna, escutando o ruído da bolinha felpuda e sabendo que aquilo nunca mais soaria como nos tempos em que eu sabia quem estava jogando e me importava com isso.”

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“Era uma sensação estranha, e não falei muito pelo resto da noite. Fiquei apenas ali, sentado e bebendo, tentando decidir se estava ficando velho e sábio ou apenas velho e nada mais.”

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“O que mais me perturbava era o fato de na verdade eu não querer ir à América do Sul. Não queria ir a lugar nenhum. Ainda assim, quando Yeamon falava em ir a outro lugar, eu me empolgava. Conseguia me enxergar desembarcando na Martinica e explorando a cidade em busca de um hotel barato. Conseguia me ver em Caracas, em Bogotá e no Rio de Janeiro, fazendo de tudo para me virar. Eram mundos que eu não conhecia, mas sabia ser capaz de lidar com eles, porque afinal de contas eu era um campeão.
Mas tudo isso não passava de masturbação mental. No fundo, sabia que não desejava nada mais do que uma cama limpa, um quarto iluminado e algo de concreto que eu pudesse chamar de meu, até que ficasse cansado. No fundo da minha mente, pairava uma suspeita terrível de que eu finalmente superara uma fase. O pior é que não me sentia nem um pouco mal com isso, apenas cansado e um tanto confortavelmente distante.”

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“Não estou fazendo planos”, respondi. “Vou chegar lá e ver o que acontece... uma boa e saudável bebedeira para relaxar um pouco.”

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“Santa Maria mãe de Deus, pensei. Estávamos no Texas?”

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“Alguma espécie de repuxo demoníaco que me arrastava em outra direção – rumo à anarquia, à pobreza e à loucura.”

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“Era perfeitamente capaz de fazer algo anormal e irregular, mas isso precisaria ser planejado com alguma antecedência.”

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“Sobrevivência por coordenação, por assim dizer. A corrida não foi feita para os ligeiros, nem a batalha para os fortes, mas para quem consegue antevê-las e escapar a tempo, como um sapo de brejo fugindo de uma cacetada.”

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“As delicadas ilusões que nos ajudam a levar a vida adiante têm um limite de abuso...”

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“Passei as horas seguintes lendo The Nigger of the Narcissus e fazendo anotações para minha matéria sobre a Ascensão e Queda do San Juan Daily News. Estava me sentindo muito capaz, mas ler o prólogo de Conrad me deixou tão assustado que abandonei qualquer esperança de um dia ser alguma coisa além de um fracasso...

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(Hunter S. Thompson - Rum: Diário de um jornalista bêbado)

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