terça-feira, 4 de agosto de 2015

Rei!


É esse orgulho, essa cabeça baixa.
É esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.
É essa necessidade louca de comprar um rádio, de esquecer fulana, de estar sempre bêbado e de não assassinar ninguém.
É esse terror urbano, modesto e recreativo, cinquenta por cento de cinema.
É esse medo grande dos sertões, esse medo das igrejas.
São as fotografias intoleráveis, os mortos de sobrecasaca.
São os poetas jamais acadêmicos, último ouro do Brasil.
É esse amor civil, o problema da opção.
São as mil queixas operárias, o sopro quente dos mundos.
São os reinos protéticos, o tédio da boca, o sorriso técnico, a serra mecânica, a carne triste, as fomes ferozes e secretas.
É a noite comendo o subúrbio, dissolvendo as pátrias, apagando os almirantes.
É o perdão simples e macio, doce, de tão necessário.
São os leves narcóticos, os doces unguentos, os calmos incensos.
É a literatura estragando as nossas melhores horas de amor.
É esse coração orgulhoso (estúpido, ridículo e frágil) e toda a pressa de confessar a derrota.
São as ilhas perdendo os homens em um mundo enorme e parado.

***

(Rei Carlos I - Sentimento do Mundo)

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